Houve um tempo em que a mulher interessante era a de 30 anos. Naquele instante especial, logo antes – para aquela época – de começar a derrocada de ela se transformar em uma matrona chata.
A mulher de 40 anos emergiu há poucas décadas por todo o mundo ocidental. Criando os filhos, consolidado - ou acabado – o casamento, permitiam-se vôos mais altos, ou revoadas fora do ninho doméstico. Surgiram assim artistas plásticas, escritoras, amantes. Ou apenas mulheres que se descobriam capazes de pensar, trabalhar, viajar. Questiona-se, questionar vida e valores. Algumas num tom lamurioso, outras num tom ressentido, outras ainda alegres ao abrir janelas de possibilidades. Muitas, ainda, não mudando grande coisa, a mesma casa, o mesmo companheiro, os mesmos filhos, as mesmas amigas. Mas, dentro de si, um novo olhar sobre tudo isso e o mundo lá fora. Às vezes até um olhar mais amoroso. Amor com mais alegria: o que existe melhor que isso?
A mulher de 40 anos apenas começa a viver. Apenas começa a acumular alguma bagagem de vida; é mais capaz de autoconhecimento, de contemplação das coisas e, simultaneamente, de mais abertura para fora. Olhar o outro sem a toda hora testar: estou linda, estou desejável, estou dentro dos padrões, sou gostosa, pareço inteligente?
Abrir as asas exige, para ser bom, certa serenidade, um vago equilíbrio, ou cedo as asas vão se derreter ao sol, e a gente despenca, quebrando a cara como não imaginava. Exige certa esperteza boa. A mulher de 40 anos, a que se preza, é uma bruxa divertida, que voa na sua vassoura turbinada, feliz com a visão que tem quando, lá no alto, gira sobre os telhados e sobre as cabeças.
Nesse vôo que ninguém mais enxerga, em bando, essas belas feiticeiras convocam as de 50, 60 e de 70 para a viagem da vida que é muito mais do que o habitual e convencional circo de obrigações: ter de ser atenciosa, devotada, gentil, ardente, inteligente (não demais, porque assusta os homens... – descobri meu problema! Kkk), boa mãe, boa parceira e profissional, mas não esquecendo o seu lugar. É a viagem, que pode ser só interior, do permitir-se a realização, a alegria – a tristeza também, que ninguém é de ferro. Descobertas e decepções, compromissos, sim, mas sem ressentimento; parceria sem humilhação; gostar de si e cuidar de si com bem mais do que seringas e bisturis: com vida, vida generosamente vivida, ardentemente vivida, delicadamente contemplada, e generosamente partilhada – ainda que às vezes com tanto medo.
Com filhos ou sem eles, com parceiro ou sozinhas, e com essas outras bruxas em suas vassouras de magia e liberdade, as mulheres de 40 ganham espaço, ganham o mundo, ganham a si mesmas. E chamam umas às outras: veja, veja, quanta coisa nos desafia e nos conforta, nos expande e nos ensina, às vezes nos assusta, mas nos torna mais inteiras, aqui do alto, aqui deste vôo, aqui deste prisma, aqui deste momento nosso.
Lya Luft.
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Sexta-feira terei a metade disso. Como diz a música do Kid Abelha:
"Há 20 anos você nasceu, ainda guardo um retrato antigo, mas agora que você
cresceu não se parece nada comigo, esse seu ar de tristeza alimenta a minha
dor, tua pose de princesa de onde você tirou? [...]"
